domingo, 31 de maio de 2015

Prevenção de DSTs e uso de álcool

O que tem a ver?



 Fonte: Google Images


A resposta para esse questionamento é: muita coisa! 

Discutimos até agora as duas formas de prevenção de eficácia comprovada de que dispomos até o momento: uso de preservativos e imunização mediante vacinação. Entretanto, só existem hoje algumas poucas DST's para as quais temos vacinas. E para todas elas, a forma mais eficiente de prevenção é o uso de preservativos em todas as relações sexuais. Isso ou a abstinência sexual, que é uma medida (convenhamos) pouco eficaz.

E é dentro do uso de preservativos, principalmente que temos um grande prejuízo causado pelo consumo de álcool.


Consumo de álcool aumenta o risco de DST's


Segundo estudo publicado na revista "The Lancet" e apresentado na 18ª Conferência Internacional Aids 2010, o consumo de bebidas alcoolicas seria o principal fator de risco para a prática do sexo sem proteção. Nesse estudo foram entrevistadas pessoas com idades entre 15 e 64 anos. Cerca de 24 % desses já praticaram relações sexuais sem o uso de preservativo sob o efeito de álcool. 

Na ocasião, o então diretor adjunto do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Eduardo Barbosa, afirmou que  "o álcool aumenta a vulnerabilidade, principalmente entre os jovens. A pessoa sob efeito de bebidas alcoólica ou drogas têm uma diminuição da consciência e acaba sendo levada pela emoção, pelo momento.".


Fonte: Google Images

Outras pesquisas mostram que o consumo dessa droga lícita é frequentemente associado a trocas frequentes de parceiros sexuais, assim como o maior número desses, sexo por dinheiro, prática de sexo em grupo, além de sexo sem preservativo (anal, oral e/ou vaginal) seja com parceiros fixos u casuais, bem como sexo não-desejado (hoje caracterizado como estupro pela nossa legislação). Todos esses comportamentos elevam o risco de contrair DST/Aids, fazendo com que pessoas que consumam bebidas alcóolicas tenham até o dobro de chance de contraí-las do que pessoas que nunca consumiram essa substância.

Vale salientar ainda que, embora não hava diferença da atuação do álcool no organismo de indivíduos infectados ou não pelo HIV - nem no desenvolvimento da Aids - estes apresentam duas complicações A primeira é o aumento do potencial de transmissão da infecção pela mudança comportamental anteriormente comentada. A outra é a interação que o álcool apresenta com os medicamentos antirretrovirais, que aumenta os níveis séricos e a toxicidade dos mesmos.

Associação do uso nocivo do álcool com e infecção com HIV

Fonte: (MALBERGIER; CARDOSO, 2009)

A Organização Mundial da Saúde (OMS) ratifica a informação de que o uso de álcool aumenta a frequencia e chance de comportamentos que aumentam o risco de contrair DST e/ou infectar-se com o HIV. 

Dados Epidemiológicos


Segundo dados da OMS, a incidência das DST somada é de cerca de 1 milhão de pessoas por dia. Estima-se ainda que a prevalência é de cerca de 500 milhões de pessoas das quais 126 milhões estão nas Américas (e desses, 1,6 milhão é portador de HIV).

O consumo de álcool (puro, para cálculo mais preciso) por pessoa no mundo foi estimado em 21,2 litros no caso de homens e 8,9 litros para as mulheres. Associado à cultura predominantemente machista em todo o mundo, que determina a escolha do uso do preservativo pelo homem, podemos facilmente deduzir a conjunção desses fatores de risco na transmissão e na contaminação com DST. 

No Brasil, em torno de 90% das contaminações por HIV são por contato sexual. Cerca de 95% dos brasileiros com mais de 18 anos de idade praticam alguma atividade sexual. Entre estes, cerca de 29% das mulheres e 37% dos homens afirmam usar preservativo em todos os atos sexuais. Todavia, na população sexualmente ativa, 33,9% das mulheres e 54% dos homens também fazem uso regular de bebidas alcoólicas.

Fonte: Google Images


Bioquímica e toxicocinética do álcool


O álcool consumido nas bebidas comercializadas é o etanol, também conhecido como álcool etílico (ou na linguagem cotidiana, simplesmente álcool). Sua fórmula molecular é CH3CH2O

Fórmula estrutural e modelo de esfera e vareta do etanol
Fonte: WikiMedia Commons


O etanol é uma molécula de baixo peso molecular e é altamente hidrossolúvel. Uma vez ingerido, é rapidamente absorvido pelo estômago (cerca de 20% do total) e pelo intestino delgado (cerca de 80%). caso consumido em jejum, os níveis séricos atingem seu pico em 30 minutos.

O cérebro, devido ao grande fluxo sanguíneo na região, rapidamente é atingido pelo etanol - que atravessa com facilidade a barreira hematoencefálica. 90% desse álcool é metabolizado no fígado, enquanto o restante é eliminado pela urina ou pela respiração.


Um adulto saudável pode metabolizar entre 7 e 10 gramas de etanol por hora, que equivale a 300 ml de cerveja, 105 ml de vinho ou 30 ml de destilado de 40% de álcool, aproximadamente. Esse metabolismo acontece por duas vias principais.


A primeira delas envolve a família de enzimas chamada alcool-desidrogenases ( em inglês ADH, ou alcohol dehydrogenase), que convertem o etanol em acetaldeído (ou etanal, de fórmula química CH3CHO). Essas enzimas estão presentes principalmente em células do fígado, mas também podem ser encontradas no cérebro e no estômago.


Fórmula estrutural do acetaldeído 

Fonte: WikiMedia Commons

A outra via envolve o sistema microssômico de oxidação do etanol (do inglês MEOS, microssomal ethanol-oxidizing system), que é ativado no consumo crômico. Como essa via tem como parte integrante o citocromo 450, a depuração de outros fármacos e a produção de subprodutos tóxicos também é aumentada.


O aldeído, por sua vez, é oxidado no fígado pela ação da enzima aldeído-desidrogenase (do inglês, ALDH ou aldehyde dehydrogenase), que produz acetato, metabolizado posteriormente em CO2 e água.



E o que fazer para previnir as DST em relação ao risco provocado pelo álcool?


Uma vez que o padrão do consumo do etanol e o aumento do risco para infecção com DST/Aids ainda é discutido (como o impacto da quantidade e da frequência) é difícil estabelecer políticas  públicas precisas. Entretanto, sabemos que tanto o consumo nocivo de álcool quanto a epidemia de DST/Aids são problemas de saúde pública.

Campanhas socioeducativas tem sido realizadas pelo Ministério da Saúde para elevar a adesão ao uso de preservativos. Uma vez que tanto o consumo de álcool quanto a pratica de sexo sob seu efeito é mais prevalente nos homens que nas mulheres, estes devem ser os alvos prioritários dessas medidas.

Eduardo Barbosa falou ainda sobre a distribuição de preservativos em abientes onde o consumo de álcool é mais frequente e intenso. "Temos uma política de redução de danos. Distribuímos preservativo em bares e boates. Mas chega um momento em que a questão se torna mais individual e não temos como atuar", disse. Fez ainda um alerta: "As pessoas precisam entender que, mesmo em um ambiente de diversão, precisam estar conscientes de que o risco de vulnerabilidade com o álcool é grande, seja para o HIV ou para um acidente de carro".

Então fica o alerta para o consumo responsável de álcool, bem como para evitar as práticas de risco que este estimula.


Por essa semana isso é tudo. Esperamos que mais essa postagem sobre formas diversas de previnir DST/Aids tenha sido proveitosa!

FONTES:

BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Álcool dificulta a prevenção da Aids [sítio eletrônico]. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/noticia/alcool-dificulta-prevencao-da-aids>. Acessado em 31/05/2015.

CARDOSO, Luciana Roberta Donola; MALBERGIER, André; FIGUEIREDO, Tathiana Fernandes Biscuola. O consumo de álcool como fator de risco para a transmissão das DSTs/HIV/Aids. Rev. psiquiatr. clín.,  São Paulo ,  v. 35, supl. 1, p. 70-75,   2008 .   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832008000700015&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 31/05/2015.

FERREIRA, Vanja Maria Bessa. Álcool, Drogas Ilícitas e Antirretrovirais. Ministério da Saúde. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/sites/default/files/Alcool_e_drogas_ilicitas_2004.pdf>. Acessado em 31/05/2015.

HALL, John E. Tratado de Fisiologia Médica. 12ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

KATZUNG, Bertram G.; MASTERS, Susan B.; TREVOR, Anthony J. Farmacologia básica e clínica. 12ª edição. Porto Alegre: AMGH, 2012.

MALBERGIER, André; CARDOSO, Luciana Roberta Donola. Problemas específicos: álcool e HIV/AIDS. In: ANDRADE, AG; ANTHONY, JC; SILVEIRA, CM. Álcool e suas consequências: uma abordagem multiconceitual. Barueri, SP: Minha Editora, 2009. P. 123-138. Disponível em: <http://www.cisa.org.br/UserFiles/File/alcoolesuasconsequencias-pt-cap6.pdf>. Acessado em 31/05/2015.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE). Tabela de Fatos - Álcool [sítio eletrônico]. Disponível em: <http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs349/en/>. Acessado em 31/05/2015.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE). Tabela de Fatos - Doenças Sexualmente Transmissíveis [sítio eletrônico]. Disponível em: <http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs110/en/>. Acessado em 31/05/2015.

2 comentários:

  1. Grupo L:
    Excelente postagem! É realmente uma questão muito complexa de saúde pública e deve ser melhor estudada e discutida. Bem, falando sobre o álcool... ele causa inúmeras alterações no metabolismo. Por exemplo, o álcool aumenta a excreção de suco gástrico e salivar, aumentando as chances de pessoas que fazem uso crônico desenvolver gastrites e outras doenças. Além disso, outro efeito do consumo crônico de álcool no organismo é a esteatose hepática. O álcool é metabolizado no fígado pela enzima álcool desidrogenase a acetaldeído. Este sofre a ação da enzima acetaldeído desidrogenase, produzindo acetil CoA. Nas duas reações, há liberação de elétrons e íons H+ que são captados (aceitos) por NAD+, formando NADH + H+. Como há muito álcool para ser metabolizado, há produção de NADH em excesso, com consumo de NAD+. Assim, falta NAD+ para receber elétrons no ciclo de Krebs. Com isso, o ciclo de Krebs como um todo é inibido, levando a acúmulo de acetil CoA (que é quebrado no ciclo de Krebs para originar CO2 e água). O excesso de acetil CoA aumenta a síntese de ácidos graxos, que são captados e acumulados fígado, causando a esteatose.

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  2. O uso de tabaco, álcool e drogas ilícitas dificulta muito a prevenção das DST's, principalmente da AIDS. Infelizmente, a população socioeconômica mais desfavorável não tem muito acesso a essas informações e acabam sendo os mais acometidos. Além do sexo inseguro e outras práticas irresponsável, o álcool também aumenta a chance de uretrite nos homens e de vulvovaginites nas mulheres.
    referência: TAQUETTE, Stella R.; VILHENA, Marília Mello de; PAULA, Mariana Campos de. Doenças sexualmente transmissíveis na adolescência: estudo de fatores de risco. Rev Soc Bras Med Trop, v. 37, n. 3, p. 210-4, 2004.

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